19 de fevereiro de 2010

PONTA D´OURO ( Romance)



Capítulo I


O celular vibrou insistentemente despertando Leo dos últimos afazeres profissionais. Com dois vincos na testa, retirou o aparelho do bolso das calças e reparou no visor com manifesto interesse: O número que exibia-se era-lhe familiar. Pousou o polegar numa das teclas e, cerimoniosamente, atendeu:

- Tá sim, boa tarde.
- Boa tarde. – respondeu alguém posicionado algures na cidade, por entre prédios altos e imponentes. – É o senhor Leonardo?
- Sim.
- Foi-lhe enviado um e-mail pelo Representante Residente do nosso projecto em Moçambique e junto ao e-mail vem um questionário que se pretende que até amanhã, ao final do dia, seja enviado de volta com as respostas desejadas.

A voz que se ouvia ao telemóvel era de uma mulher e Leo, imediatamente, presumiu tratar-se uma das funcionárias do escritório do representante do projecto para o qual trabalhava há sensivelmente sete anos, como assessor técnico de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes e jovens.

- Sim. – Gaguejou de nervosismo e depois, pediu. – Uma vez que, de momento, tenho o computador desligado, poderia, por favor, adiantar-me o teor do e-mail?
- Com certeza. – Respondeu a senhora doutro lado da linha. – Trata-se de uma ficha destinada aos activistas do projecto na Ponta d´Ouro, envolvidos no primeiro estudo referente à avaliação periódica do projecto.

- Vou já ver… adeus.
- Adeus e espero que não se esqueça de envia de volta o questionário respondido e no prazo estabelecido.
- Está bem.
- Tenha uma óptima tarde.
- Igualmente e obrigado.
- De nada, adeus.
- Adeus!

Leo respirou fundo e desligou o aparelho. Ligou o computador e visualizou a mensagem. Na verdade, era um questionário de três páginas que deveria ser multiplicado e distribuido a dezaseis activistas da Ponta d´Ouro envolvidos no primeiro estudo de avaliação do projecto há dois trimestres atrás. Era um trabalho que exigia extrema urgência à avaliar o prazo estabelecido.

- Droga! – Vociferou Leo consigo mesmo e questionou-se mentalmente. – “tinham que pedir hoje faltando um dia do término do prazo?”

Não tinha escolha! O que lhe restava era correr atrás do tempo, recolher a informação desejada e enviar no dia aprazado, sob o risco de manchar a sua carreira profissional no projecto, caso tal questionário não chegasse a tempo ao escritório do “boss”. Contudo, o que à partida Leo deduziu ao receber esta missão, foi um possível esquecimento de algum funcionário sénior, do escritório do representante, de fazer chegar a informação a tempo e hora de permitir realizar a actividade sem stress e sem correrias. Mas toda esta dedução em nada adiantava, se não mexer-se e percorrer mais de cem quilómetros de estrada terra-planada e em estado de conservação precário em favor do seu bom percurso profissional. Que fazer? Assim funcionam as coisas entre nós!

Nisto, sentado em frente à sua mesa de secretária, voltou a respirar profundamente e manteu-se pensativo durante alguns instantes.

O gabinete estava frio. O ar condicionado com as suas fendas abertas cospia o ar frio impiedosamente e em volta à mesa do Leo achavam-se três mesas de secretária pertencentes aos seus assistentes que já, àquela hora, haviam despegado há escassos minutos. O escritório do projecto na provincia era uma sala comum ampla com três divisões feitas de biombos cinzentos, onde uma das divisões era a sala da secretária, a outra um mini armazém e, por fim, a sala da equipa técnica provincial do projecto SSR, que significa Saúde, Sexual e Reprodutiva. Os dois primeiros compartimentos estavam equipados de computadores e outro tipo de material de escritório, enquanto que o mini armazém apenas apresentava algumas caixas seladas que pareciam conter preservativos e material de informação, educação e comunicação para a mudança de comportamento. Este escritório ficava na Cidade da Matola, no primeiro andar de um prédio de três pisos, onde também funcionavam diversas repartições públicas.

No entanto, Leo tomou o auscultador do telefone fixo pousado na sua secretária, digitou na caixa alguns números e aguardou a resposta segurando o ascultador entre a cabeça e o ombro direito.

- Boa tarde, senhor coordenador. – Disse Leo assim que doutro lado da linha alguém atendeu a chamada.
-Boa tarde, chefe. – Respondeu uma voz masculina. – O que se deve esta honrada chamada?
- Trabalho, senhor coordenador. – Passou a mão sobre a cabeça rapada e prosseguiu. – Eu, o nosso motorista e um dos assistentes partirémos esta tarde p´ra aí afim de realizarmos um trabalho de extrema urgência. Assim, agradecia que avisa-se os activista abrangidos pelo estudo passado para um encontro amanhã as oito da manhã.
- Não tem de quê, chefe. Farei chegar a informação ainda hoje e amanhã tê-los-ão no cantinho de aconselhamento.
- Agradecia.
- Sabes que cá choveu muito durante a noite de ontem e manhã de hoje?
- Aièèè?
- E a estrada está escorregadia.
- Não tem problema. Farei questão de viajarmos do 4x4.
- Está bem e boa viagem.
- Obrigado.

Desligou o telefone e voltou a fazer chamadas para dois números. Nas duas ligações, Leo avisou o motorista e um dos assistentes sobre a viagem repentina que, pese embora a surpresa, os dois colegas fizeram-se presentes ao escritório com brevidade espectacular e dispostos a partir.

- O que se deve esta urgência? – Interrogou Nacito – o assistente do projecto – assim que atravessou a porta do gabinete.
- Não sei. – Respondeu Leo olhando o companheiro. – Não deu para perguntar. O diálogo foi rápido, de tal modo que, não me ocorreu perguntar a razão da solicitação da informação com urgência desta natureza.

Houve silêncio, durante o qual o motorista percorreu o pequeno corredor do escritório e deteu-se à entrada do gabinete a espera de ordens do assessor.

- Trouxe alguma coisa para comer durante a viagem? - Quis saber Leo do Nacito.
- Não houve tempo para comprar nada. Quando a sua chamada entrou eu estava na paragem a espera de chapa que me levasse a casa.
- Tudo bem. – Balbuciou o interlocutor com ar de fadiga. – Eu vou tratar disso imediatamente.

Ergueu-se da cadeira enfiando as mãos nos bolsos das calças. Caminhou para a saída andando rapidamente feito um louco e quando aproximou-se do motorista, ordenou:

- Vamos embora. – atravessou a entrada e acrescentou. – Vamos chegar ao supermercado ver se compramos alguma coisa para a viagem.
- Às ordens, chefe. – Disse o motorista com um ar cómico com se de mancebo se tratasse.
- Enquanto vamos às compras, Nacito, veja se reproduz o questionário. – Disse Leo desaparecendo por entre biombos a caminho da saída do escritório.

Desceram os degraus do prédio e já no rés-do-chão dirigiram-se a um Toyota Corolla, branco, estacionado em frente ao prédio e na berma da rua Eusébio S. Ferreira. Depois, sairam com o destino à Shoprite da Matola.

Momento depois, chegaram ao supermercado. Deixaram o carro no estacionamento e entraram no estabelecimento. O estabelecimento estava cheio de gente e barulhento. A azáfama da sexta-feira parecia embriagar os clientes que se movimentavam por entre prateleiras como se de formigas se tratassem.

No entanto, Flávio – o motorista - tomou uma carrinha de compras na entrada e desapareceram entre as prateleiras gigantescas.

Volvido algum tempo, sairam do supermercado com uma dezena de plásticos carregados de pão integral, sumos, água mineral, bolachas, material de higiene pessoal, tomate, cebola, azeite, sal fino, pratos descartáveis, guardanapos, carne de beef, salsichas e peixes, todos enlatados. Ao alcançarem o carro, guardaram os plásticos na bagageira em silêncio e voltaram ao escritório sem que trocasse palavra alguma.

Quando chegaram, Flávio trocou de carro por ordem do assessor e baldeou as compras para o Toyota Land Cruiser, 4x4, branco, cabina fechada e em seguida, a equipa abandonou o escritório com o destino à Ponta d´Ouro.

Allman Ndyoko
Agosto, 2009

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